segunda-feira, 29 de outubro de 2012

EM TEMPOS DE LIBERDADE SEXUAL, POR QUE A VINGIRDADE AINDA É TÃO MITIFICADA ?


Em Tempos de Liberdade Sexual, por que a Virgindade Ainda é Tão Mitificada?

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Ela tem 20 anos. Ele, 23. Ambos decidiram leiloar sua virgindade no site australiano Virgins Wanted. A catarinense Ingrid Migliorini –que usa o pseudônimo Catarina– e o russo Alexander Stepanov são os personagens de um documentário que acompanha o antes e o depois da primeira relação sexual dos jovens. A maioria dos interessados no leilão é daqui: os brasileiros somam seis dos sete que deram lances para ter Stepanov e oito dos 13 que querem comprar a virgindade de Ingrid.

A diferença entre o quanto vale a virgindade de cada um é enorme: a maior proposta para a brasileira foi feita por um americano que ofereceu 255 mil dólares, e Stepanov ainda não recebeu um valor superior a 1.300 dólares. Há a possibilidade de muitos lances terem sido dados como uma brincadeira –e, se aqueles que fizerem os maiores lances desistirem, os jovens terão que fazer sexo por até um dólar. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de livros como "Tudo o Que Você Não Queria Saber sobre Sexo" (Ed. Record) e "Toda Mulher é Meio Leila Diniz" (Ed. BestBolso), essa diferença existe porque, do ponto de vista dos interessados, "ele não tem nada a perder, física e simbolicamente. Já ela 'perderia seu valor' ao deixar de ser virgem", diz.
Para Mirian, tanto os dois jovens quanto aqueles que tentam comprar a virgindade deles têm um objetivo principal: projeção. Segundo ela, a catarinense diz que vai doar o dinheiro –o que foi contestado pelo organizador do leilão– como uma forma de justificar e amenizar sua tão criticada decisão. "É uma necessidade de provar que não se trata de autopromoção, que ela não quer ganhar dinheiro", diz. Já os homens que fazem os lances, segundo ela, almejam a projeção de comprar o valor de uma mulher, de mostrar que têm dinheiro e poder.
O psiquiatra especialista em sexualidade Jairo Bouer acha interessante a ideia de fazer um documentário sobre virgindade, mas acredita que a transformação disso em um "reality show" é fruto da cultura atual. "É a ideia de conseguir um pouco de destaque a qualquer custo, ter o nome na mídia e, depois, presença em eventos e programas B. É quase uma profissão, atualmente", afirma. Segundo ele, dá para entender a motivação dos virgens melhor do que a das pessoas que pagam 255 mil dólares no leilão.
Na prática, não há nada que diferencie a relação sexual com uma mulher virgem, segundo Bouer. O hímen é uma pele tão fina que o homem não a sente. "É uma questão mais cultural do que física. Imagino que quem dê os lances seja alguém que ficou parado no tempo e tenha o fetiche de carregar esse feito como troféu", afirma. A motivação é semelhante entre os homens que tentam comprar a primeira vez do russo. "O fato de um homem ser gay não o impede de ser machista", diz Bouer.
De acordo com a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, a mulher tem o direito de fazer do corpo dela um comércio, se assim desejar. Para ela, o pior é existir homens interessados em comprar a virgindade de alguém. “Acho eles que fazem isso como um resquício de uma mentalidade patriarcal, em que o homem tem de se sentir poderoso, possuidor da mulher, o primeiro da vida dela", diz. "Os homens querem provar que são machos, que conseguem uma mulher virgem", afirma. No caso das mulheres que tentam comprar a virgindade do russo, a motivação é a mesma, segundo ela. "Há mulheres com essa mesma mentalidade", afirma.
Segundo Regina, a virgindade como uma representação do poder do homem é herança de um valor antigo. Ela conta que a ideia da dominação da mulher surgiu quando o sistema patriarcal se instalou, há cinco mil anos. "A mulher tinha de ser pura, virgem e santa, porque era uma mercadoria: vendida, comprada e trocada. Era ela quem daria filhos que ajudariam na futura mão de obra e o homem tinha pavor de deixar herança para um filho que não fosse dele".
A virgindade continuava a ser importante nos anos 1950, época em que quem não era virgem não conseguia se casar. Por isso, as mulheres compensavam essa imposição fazendo sexo anal ou oral para preservar o hímen –o que ainda acontece atualmente, segundo Regina. "Dentro da sociedade patriarcal, a mulher não podia se interessar por sexo. No século 19, foram até criadas teorias de que a mulher não sentia prazer", afirma. Nessa época, segundo Regina, os bordéis proliferaram como uma solução para que os homens tivessem prazer, já que as mulheres eram obrigadas a ser inertes na cama. Como consequência, houve um surto de sífilis e surgiu a crença de que o homem ficaria curado se tirasse a virgindade de uma mulher.
A virgindade ainda gera polêmica, apesar de preservá-la ser considerado ultrapassado nos dias de hoje. "O sistema patriarcal se sustentou em cima do controle da fertilidade da mulher e começou a perder suas bases com o surgimento da pílula anticoncepcional. Agora, estamos assistindo ao desmoronamento dessa mentalidade, mas são cinco mil anos de história, e não se muda tudo tão rápido", diz.
Recentemente, o lançamento de um creme para “estreitar” a vagina, na Índia, causou polêmica. Como se não bastasse, uma empresa chinesa chamada Himen Shop criou um estranho dispositivo que deve ser inserido no canal vaginal, antes da penetração, para simular o sangramento que costuma ocorrer na primeira vez. Para Bouer, utensílios como esses são frutos de uma cultura machista, em que a mulher virgem é mais valorizada. "Há coisas muito mais importantes em um relacionamento do que a mulher ter tido ou não uma relação sexual", afirma.
Para o psiquiatra Alexandre Saadeh, especialista em transtornos de sexualidade do IPq HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), esses produtos podem fazer parte de uma brincadeira muito mais saudável entre um casal do que a ideia de fazer uma cirurgia de reconstituição de hímen para presentear o parceiro. "A cirurgia tenta recuperar algo que não tem volta", afirma Saadeh.

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