terça-feira, 6 de maio de 2014


Resenha: Foco, de Daniel Goleman

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Meses atrás, eu decidi que era hora de “dar um basta” na minha confusa lista de feeds RSS (que é a minha principal fonte de informação online), que até então estava bastante bagunçada.
Eu gosto de organizar as minhas fontes de informação em pastas ou categorias, só que a coisa estava um pouco desajeitada, já que, na categoria “notícias”, por exemplo, feeds de notícias da Folha de S. Paulo se misturavam a feeds de tecnologia, como Gizmodo, e desenvolvimento pessoal, como Lifehack. O problema é que as tais notícias da Folha eu raramente lia, ao passo que as do Gizmodo eu lia constantemente, e isso criava uma dificuldade no acompanhamento das leituras.
Bom, o problema é que eu fui adiando essa tarefa de reorganizar os feeds… adiando… adiando… até que chegou o momento em que eu resolvi  eliminar esse comportamento procrastinatório, e reservar um sábado para essa, convenhamos, nada agradável tarefa.
Tirei todas as distrações possíveis (emails, redes sociais, atividades off-line) e me concentrei nessa extenuante tarefa, que me consumiu em torno de 2 a 3 horas, só para reclassificar, apagar feeds de blogs e sites que já não me interessavam, criar novas pastas e reagrupá-las de modo que fizessem mais sentido e tivessem mais proveito para mim em termos de agilidade e otimização na leitura.
O trabalho foi recompensador, pois agora consigo ler os feeds de uma maneira muito mais proveitosa, pois posso prestar mais atenção ao que realmente é importante, otimizando o uso do tempo.
E tudo isso só foi possível graças a essa minha resolução de “treinar a mente” parafocar e se concentrar nessa atividade.
Ter foco, ter atenção, é talvez a habilidade mental mais difícil de ser adquirida e controlada nos dias de hoje, porque vivemos inundados naquilo que eu já chamei, tempos atrás, de a “era da distração”, com múltiplas coisas a ocupar nossas mentes, tanto no mundo off-line, com uma infinidade de compromissos, demandas e projetos, quanto principalmente no mundo on-line, e a cascata interminável de mensagens de emails, tweets, atualizações e comentários no Facebook, Instagram e outras redes sociais etc. etc. etc.
Por isso, chamou bastante minha atenção um livro que se dedica exclusivamente sobre ela, foco, escrita pelo psicólogo Daniel Goleman, que se tornou famoso mundialmente ao escrever sobre a inteligência emocional. Vamos então discorrer sobre a obra? :-)
Informações técnicas
Foco - Daniel Goleman
Número de páginas296
Editora: Objetiva
Preço médioR$ 40

O problema: riqueza de informação gera pobreza de atenção

Como dito anteriormente, estamos vivendo numa era 
sem
 precedentes na história da humanidade, uma vez que o excesso de informação acaba levando muitas pessoas, senão a maioria, a perder a concentração e o foco nas atividades que realmente são importantes. Buscamos a gratificação imediata ao lermos os últimos tweets, as atualizações mais recentes de nosso círculo de amigos no Facebook, as últimas fotos postadas no Instagram, e conferimos a todo instante a caixa de emails para ver se existe alguma mensagem nova desde a última conferência, que foi realizada, bem… 5 minutos atrás (!).
Existe até um novo termo para esse grupo de pessoas: “phubber”. Quem explica é aRosana, no excelente blog Simplicidade e Harmonia:
“Recentemente nasceu uma nova palavra na língua inglesa: phubbing. Ela é resultado da junção de phone (telefone) com snubbing (esnobar). Mas, afinal, a que se refere esse novo termo? Phubbing nasceu para descrever o ato de ficar conectado a um smartphone ou tablet, em ambientes sociais, e esnobar ou deixar de lado as pessoas que estão ao redor. Portanto, phubber é aquele que tem esse tipo de atitude em ambientes públicos”.
Estamos, em suma, perdendo a nossa capacidade de realizar reflexões mais profundas, mais substanciais, que poderiam produzir benefícios duradouros a longo prazo, em favor dessa nossa necessidade de buscarmos as novidades a todo instante, em busca de satisfação no curto (curtíssimo) prazo, o que interrompe também o fluxo de tarefas para os quais decidimos nos concentrar, mas que acabamos não executando direito, em virtude justamente desse mar de distrações que nos rodeiam. Como afirma Goleman (posição 147 no Kindle):
“As crianças de hoje estão crescendo numa nova realidade, na qual estão conectadas mais a máquinas e menos a pessoas de uma maneira que jamais aconteceu antes na história da humanidade [...] Menos horas passadas com gente e mais horas olhando fixamente para uma tela digitalizada são o prenúncio de déficits [...] Sabemos que não é legal ficar checando o celular quando estamos com alguém, mas é viciante”.
Em seguida, conclui o autor:
“O que a informação consome é a atenção de quem a recebe. Eis por que a riqueza de informações cria a pobreza de atenção”.

A solução: como melhorar a atenção

Em seguida, o autor discorre sobre os tipos de atenção que se formam em nossa mente: a atenção superior, e a atenção inferior.
A primeira é analítica, devagar (sistema “devagar” na concepção de Daniel Kahneman), examina as opções antes de dar uma resposta, opera de “cima para baixo” (sistema descendente), situando-se no córtex pré-frontal de nosso cérebro. É o que nos diferencia das demais espécies animais, é a possibilidade de pensar a longo prazo, de ponderar situações e de escolher a mais adequada às nossas circunstâncias, tendo se desenvolvido somente “de alguns milhares de anos para cá”, do ponto-de-vista evolutivo da espécie humana. Trabalhamos com a atenção superior (atenção ativa) ao planejarmos, por exemplo, nossos planos de aposentadoria financeira.
Já a segunda é intuitiva, rápida (sistema “rápido” na concepção de Daniel Kahneman), age em questão de segundos, operando “de baixo para cima” (sistema ascendente), e foi o produto de milhões de anos de evolução da espécie humana. Os movimentos são quase automáticos: agimos sem pensar muito. Pense, por exemplo, na reação de fuga que você tem ao sentir que um perigo está se aproximando. A atenção inferior (atenção passiva) é a responsável por executar esse tipo de comportamento.
Esses dois sistemas repartem entre si as tarefas mentais para que consigamos fazer o mínimo de esforço com o máximo de resultados ótimos.
Para melhorar a capacidade de atenção de nosso cérebro, precisamos desenvolvê-la como se fosse um músculo, diz Goleman. Assim como músculos exercitados expandem sua força e aumentam sua capacidade de resistência, o cérebro também aperfeiçoa sua capacidade de desempenho, foco e atenção à medida em que é treinado. Porém, o treinamento do foco deve ser acompanhado da respectiva pausa. É preciso alternar entre os momentos de atenção ativa e atenção passiva. Não somos máquinas. Momentos de descanso são necessários.
E aqui o autor destaca a importância de desenvolvermos um triplo foco: interno, no outro e externo:
“O foco interno nos põe em sintonia com nossas intuições, nossos valores principais e nossas melhores decisões. O foco no outro facilita nossas ligações com as pessoas das nossas vidas. E o foco externo nos ajuda a navegar pelo mundo que nos rodeia”.
Por padrão, o cérebro opera no modo “à deriva”, ou seja, não conseguimos manter a atenção ativa na maior parte de nossas vidas. Seria isso ruim? Não necessariamente. O autor explica (posição 698):
“Entre as outras funções positivas da divagação da mente estão a geração de cenários para o futuro, a autorreflexão, a capacidade de se relacionar em um mundo social complexo, a incubação de ideias criativas, a flexibilidade de foco, a ponderação do que se está aprendendo, a organização das lembranças ou a mera meditação sobre a vida – e também a possibilidade de dar aos nossos circuitos uma pausa revigorante. Uma reflexão momentânea me leva a acrescentar mais duas funções: a de me lembrar de coisas que preciso fazer para que elas não se percam na desordem da mente e a de me entreter”.
Normalmente, inclusive, são durante os períodos de descanso da mente, quando ela não está focada em alguma atividade, que acabam surgindo em nossa mente as ideias mais criativas, a solução para problemas que até então estavam nos atormentando, o aparecimento de momentos do tipo “eureka”, como, aliás, narrou o leitor Rafael Gilem comentários a um post recente, cujo comentário vale a pena ser transcrito:
“Comigo já aconteceu várias vezes de ficar empacado com um problema sem solução durante toda a manhã no trabalho e depois de sair pra almoçar, mudar os ares e esquecer do problema, conseguir solucioná-lo em 5 minutos após o almoço, por enxergar algo que não enxergava antes”.
As melhores ideias surgem nos momentos mais inesperados, quando não estamos realizando “esforço cognitivo algum”, e a ciência avaliza esse entendimento.
Dessa forma, e ratificando o que eu disse linhas acima, o antídoto para a fadiga da atenção é o mesmo utilizado para neutralizar a fadiga física: descansar. Mas como é que se consegue descansar o cérebro?
Goleman sugere uma troca de esforços: substituir o controle descendente (de cima para baixo, aquele responsável pela atenção ativa, e controle executivo das ações), por atividades mais passivas no modo ascendente (de baixo para cima, que não exigem esforço cognitivo), como uma pausa relaxante num ambiente tranquilo. Olhar paisagens naturais, caminhar em meio à natureza, assistir filmes, ou simplesmente respirar, constituem alguns bons exemplos.
O autor também destaca o relevante papel que a autoconsciência desempenha em nossa vida, que traz consigo a atenção executiva (posição 1267):
“Nossa mente utiliza a autoconsciência para manter tudo o que fazemos nos trilhos: a megacognição – pensar sobre pensar – permite que saibamos como estão indo nossas operações mentais e possamos ajustá-las conforme for necessário; a metaemoção faz a mesma coisa regulando o fluxo de sentimentos e impulsos [...] A atenção executiva é a chave para a autogestão. Esse poder de direcionar nosso foco para alguma coisa e ignorar as outras permite que tragamos à mente o tamanho da nossa barriga quando vemos aquelas fatias de torta de sorvete no freezer. Esse pequeno ponto de escolha abriga o cerne da força de vontade, a essência da autorregulação”.
Em seguida, cita-se uma pesquisa feita com crianças numa cidade da Nova Zelândia chamada Dunedin, cujas conclusões foram relevadoras: os níveis de autocontrole de uma criança são um indicador de sucesso financeiro e de sua saúde na idade adulta tão forte quanto a classe social, a riqueza da família de origem ou o QI (posição 1345):
“Uma criança pode ter uma infância privilegiada financeiramente, porém, se não aprender como adiar uma gratificação para ir atrás de seus objetivos, essas vantagens iniciais podem perder a força ao longo da vida [...] e qualquer coisa que possamos fazer para aumentar a capacidade de controle cognitivo da criança irá ajudá-la ao longo de toda a vida”.
Portanto, atenção pais que estejam lendo essa resenha, ensinem suas crianças a aprenderem a adiar a gratificação (“se você não comer esse biscoito agora, daqui a 15 minutos ganhará outro”, à semelhança do famoso teste do marshmallow), e elas terão muito maior probabilidade de terem êxito na vida adulta delas, mais até do que eventual QI superior à média, ou heranças generosas.

Crítica à tese das 10 mil horas de Malcom Gladwell

Uma coisa que achei muito curiosa no livro foi a crítica que o autor endereçou à tese contida no livro Fora de Série: Outliers, de Malcom Gladwell, acerca da regra das 10 mil horas.
Em resumo, Gladwell afirma, baseado em estudos realizados por Anders Ericsson, de que, para que alguém atinja um nível internacional de expert, são necessárias pelo menos 10 mil horas de prática, o que equivale a cerca de três horas por dia, ou 20 horas por semana, de treinamento, durante 10 anos. Goleman diz que isso é apenas uma meia-verdade, e, baseado nos estudos mais profundos das pesquisas do próprio Anders, concluiu que seria preciso mais do que isso: seria indispensável praticar de forma inteligente, e não puramente mecânica, adotando um “treino deliberado”, ou seja, realizado com o apoio de um treinador especialista, com um esquema de feedback que permita reconhecer erros e corrigi-los.
Dessa forma, só as horas não contam – importam também o feedback e a concentração total. Achei essa parte do livro particularmente interessante (posição 2611):
“Quem está no topo nunca para de aprender: se em algum momento começam a relaxar e abandonam esse treino inteligente, passam a jogar com o circuito ascendente [de baixo para cima, automatizando suas rotinas de trabalho, pense em alguém que fica satisfeito ao conseguir executar os movimentos básicos de um jogo de tênis] e suas habilidades se estabilizam. O especialista contraria ativamente as tendências ao automatismo, construindo e buscando deliberadamente treinamentos nos quais a meta estabelecida excede seus níveis atuais de desempenho. Quanto mais tempo o especialista consegue investir no treino deliberado com concentração total, mais desenvolvido e refinado será seu desempenho. A atenção focada, como um músculo trabalhado, se cansa. Ericsson descobriu que competidores de nível mundial tendem a limitar o treino pesado a cerca de quatro horas por dia”.
“Quem está no topo nunca para de aprender”… quando li essa frase, me veio à mente um comentário feito na ESPN Brasil sobre o que aconteceu com o jogador de tênis Novak Djokovic após ganhar o último Aberto da Austrália. Ele reuniu seu time (técnico, preparador físico, nutricionista, fisioterapeuta etc.), e “detonou os caras”. Simplesmente mandou bronca em todo mundo: disse que não estava satisfeito com isso, não estava satisfeito com aquilo, e com aquilo outro blá blá blá… blá blá blá… e que precisava melhorar isso, precisava melhorar aquilo etc. etc. etc.
Pô, o cara tinha acabado de ganhar um Grand Slam, o que seria, por si só, motivo de festa e comemoração por 5 dias sem parar, e Djokovic foi na contramão do senso comum e “arrebentou geral”. Por isso que, ao ler essa passagem do texto, “Quem está no topo nunca para de aprender”…, me veio à mente esse trecho do programa de TV, e que não poderia deixar de compartilhar com vocês.
Temos aqui uma importante lição que se aplica a todos os campos da vida: se você quiser alcançar o topo, se você quiser se manter no topo, você nunca pode parar de aprender (a respeito de Djokovic, escrevi mais nesse artigo: Novak Djokovic e os 4 p´s da vitória).
Lembro-me, a propósito dessa mensagem, do lendário Warren Buffett, que, do alto de seus mais de 70 anos de vida, resolveu que queria aprender a investir na Bolsa da Coréia do Sul. Dono de um modelo mental assombroso para o mundo dos negócios e das ações, não é de se surpreender que, apenas analisando e estudando balanços de empresas locais (da Coréia do Sul), durante um curto período de tempo, na sua cidade natal de Omaha, ele tenha tido, ao investir em ações na Bolsa asiática mencionada, um desempenho avassalador (fonte: A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida [biografia], de Alice Schroeder).
Como é que ele conseguiu isso? Estudando. Aprendendo. Aprendendo. Aprendendo. De 1936 (quando, aos 6 anos de idade, pediu para seu pai, de presente de Natal, um livro sobre títulos públicos) até os anos 2000. Mais de 60 anos de estudos. IninterruptosE você, está querendo parar de estudar justo agora? Se você parou de aprender, você parou no tempo.
Bom, voltando ao livro do Goleman, eu achei curiosa essa crítica ao livro do Gladwell porque, de vez em quando, existem esses “embates” entre os melhores escritores e pensadores em nível mundial. Assim como Daniel Goleman contesta as ideias de Malcom Gladwell (e você, leitor do blog, tem esse privilégio de ter as resenhas de ambos os livros aqui no blog :-)), David Allen, criador do popular método de produtividade GTD, cujos livros resenhamos aqui no blog: Faça tudo acontecerA arte de fazer acontecer – Getting Things Done e Gerencie sua mente, não seu tempo, também contesta as ideias de Stephen Convey, autor do popular “Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”, dizendo, por exemplo, que esse último livro fica muito no plano das ideias abstratas, sem apresentar muitos direcionamentos práticos (com o qual eu concordo).

Conclusão

“Foco” é ótimo em vários pontos, tais como na parte em que explica os mecanismos do cérebro nos controles dos diversos tipos de atenção, os resultados práticos obtidos com os testes do Marshmallow e de Dunedin, e a importância de os líderes desenvolverem qualidades como empatia, conhecimento dos sistemas e uso adequado dos recursos ambientais.
Porém, eu senti falta da explicação de ideias mais práticas. Ou seja, faltou ao autor indicar os caminhos de ação de como o leitor pode melhorar o seu foco em sua vida, seja ela pessoal, seja ela profissional.
E é nessa parte que o livro me decepcionou um pouco. Em termos acadêmicos, o livro não fica nada a dever: traz os resultados de algumas das experiências científicas mais importantes no campo da psicologia cognitiva dos últimos anos, traduzidos numa linguagem acessível ao público leigo. Nisso não há o que questionar, e o autor age com desenvoltura nesse campo.
Porém, ficou aquele gostinho de “quero mais”, que o livro, infelizmente, não ofereceu: mais dicas práticas de como melhorar a atenção e o foco em nosso dia-a-dia.
Ironicamente, um livro que trata sobre o foco falhou, com o perdão do trocadilho, naquilo em que, talvez, deveria mais focar, já que se trata de uma obra dirigida para o público leigo.
Para aqueles que quiserem dicas práticas de como implementar mais foco em suas vidas, eu recomendo a leitura de outra resenha que fiz no blog, Focus, de Leo Babauta (eBook na versão grátis, em inglês).
De qualquer modo, a obra é ótima para quem quiser entender mais sobre o funcionamento cerebral na área da atenção, em suas múltiplas formas, bem como os resultados das mais recentes pesquisas científicas nesse domínio da psicologia.

23 Responses to Resenha: Foco, de Daniel Goleman

  1. Jônatas R Silva 3 de fevereiro de 2014 at 7:44 # 

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